Nesta sessão de “conversas a norte”, convidamos quatro especialistas no Alto Minho e na Galiza a analisar conjuntamente as permanências e transformações que a etnografia lhes tem permitido acompanhar – na economia, na ocupação do território e na paisagem, nos processos migratórios e suas consequências, nas práticas culturais. Num território tradicionalmente marcado pela ruralidade, pelo minifúndio, pela centralidade da casa na reprodução social e pela preeminência das mulheres, o que mudou nos últimos cinquenta anos? E o que persiste? Um segundo eixo da abordagem diz respeito às continuidades e descontinuidades entre Galiza e Minho e à fronteira entre ambas as regiões, que tanto separa como estabelece uma permanente zona de contacto. Conversando sobre estes temas, desafiamos também os nossos interlocutores a refletir, a partir das suas pesquisas, acerca das itinerâncias dos olhares e da teorização antropológica sobre o Noroeste peninsular nas décadas recentes. Participam nesta sessão plenária Luzia Oca González (Universidade de Santiago de Compostela–Lugo), que aborda mobilidades e migrações através da diáspora cabo-verdiana entre Galiza e Portugal; João Pina-Cabral (ICS–ULisboa), que revisita os temas da terra, propriedade e género no Alto Minho e na teoria antropológica; Paula Godinho (NOVA FCSH), que nos traz a sua experiência de trabalho na raia, na Galiza e no Couto Misto para conceptualizar fronteiras, políticas de identidade e transições geracionais; e António Medeiros (Iscte–IUL), com um novo olhar sobre regionalismos, nacionalismos e fronteira.
João Pina-Cabral
Onde situar o Noroeste? Entre mediterranismo e feminismo nos anos 70.
Paula Godinho
E se falássemos do futuro? Couto Misto e outras possibilidades.
António Medeiros
No Noroeste: algumas imaginações da “terra”.
Luzia Oca González
Repensando género, transnacionalidade e colonialismo a partir das migrações cabo-verdianas na Galiza.
João Pina-Cabral é Investigador Coordenador (Jubilado) em Antropologia Social no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Emérito na Escola de Antropologia e Conservação da Natureza da Universidade de Kent. Foi cofundador e presidente da Associação Portuguesa de Antropologia e da Associação Europeia de Antropólogos Sociais. Foi presidente do Conselho Científico do Instituto de Ciências Sociais (1997-2004) e diretor da revista Análise Social (2011-2014). Foi Diretor da Escola de Antropologia e Conservação da Natureza na Universidade de Kent (2012- 2015). Realizou trabalho de campo prolongado em Portugal, Macau, Moçambique e Bahia (Brasil). Entre outros, a sua obra tem versado os temas: pessoa, parentesco e família; religião, simbolismo e poder; etnicidade e condição pós-colonial; teoria etnográfica. Principais obras: Filhos de Adão, Filhas de Eva (trad. port. 1989), Os Contextos da Antropologia (1991, 2.ª ed. 2018), Aromas de Urze de Lama (1992, 2.ª ed. 2008), Em Terra de Tufões (1993), O Homem na Família (2003), Between China and Europe (2002), Gente Livre (2013, em coautoria com Vanda Aparecida da Silva), Transcolonial (2023). Nas suas obras mais recentes – World: An Anthropological Examination (2017, Prémio Malinowski), Metapersons:Transcendence and Life (no prelo) – desenvolve as condições de possibilidade do gesto etnográfico, nomeadamente na sua relação com a transcendência pessoal. Os seus artigos mais recentes têm sido publicados em revistas como Anthropological Theory, Anthropology Today, HAU: Journal of Ethnographic Theory, Journal of the Royal Anthropological Institute, Social Anthropology, Social Analysis, Critique of Anthropology, Focaal: Journal of Global and Historical Anthropology.
Paula Godinho é antropóloga, professora no Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa e investigadora do Instituto de História Contemporânea. É fundadora da Red(e) Ibero-Americana Resistência e/y Memória. Prémio Xesús Taboada Chivite, 2008 (Galiza). Realizou trabalho de campo em Portugal (Trás-os-Montes e Ribatejo), na fronteira, na Galiza e no Ceará, com várias obras publicadas em Portugal, Espanha, Brasil e Argentina, entre as quais se destacam Memória da Resistência Rural no Sul (Couço, 1958-1962), 2001 (reed. 2025); O Leito e as Margens: Estratégias familiares de renovação e situações liminares no Alto Trás-os-Montes raiano, 2006; Festas de Inverno no Nordeste de Portugal: Património, mercantilização e aporias da «cultura popular», 2010; «Oír o Galo Cantar Dúas Veces»: Identificacións locais, culturas das marxes e construción de nacións na fronteira entre Portugal e Galicia, 2011 (edição portuguesa em 2021); O Futuro é para Sempre: Experiência, expectativa e práticas possíveis, 2017; Entre o Impossível e o Necessário: Esperança e rebeldia nos trajetos de mulheres sem terra do Ceará, 2020; O Impossível Demora Mais: Antropologia para o futuro, correntes frias da realidade e correntes quentes da esperança, 2025.
Luzia Oca González é antropóloga, professora da Universidade de Santiago de Compostela desde 2022, após uma longa experiência docente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Investigadora no Instituto de Estudos e Desenvolvimento da Galiza, da USC. Foi presidenta da Associação Galega de Antropologia e integrante do Centro de Documentação em Igualdade e Feminismos, do Conselho da Cultura Galega. O seu trabalho de campo desenvolveu-se principalmente entre Galiza e Cabo Verde, acompanhando a corrente migratória entre a ilha de Santiago e a localidade de Burela (Lugo). Em Portugal trabalhou sobre género e turismo na região duriense e sobre a violência contra as mulheres, desde uma perspectiva feminista. Participou em diversas intervenções sociais com a comunidade cabo-verdiana da Galiza e no âmbito da cooperação internacional, nas localidades de origem. Entre as suas publicações destaca o livro Cabo-verdianas na Galiza (1978/2008). Migrações, género e intervenção social (Prémio Vicente Risco de Ciências Sociais 2014), com base na sua tese de doutoramento. A sua publicação mais recente é um dossiê sobre “Género e cuidados na experiência transnacional cabo-verdiana”, na revista Etnográfica (2025). Faz parte do grupo “Mulheres à Fronte”, que desenvolve projetos colaborativos de investigação sobre migrações, género, desenvolvimento e transnacionalidade, dialogando com a criação através da música, a fotografia e o audiovisual, tomando como base a sua longa experiência etnográfica.(https://www.mulleresafronte.gal/).
António Medeiros é antropólogo, professor no Departamento de Antropologia do Iscte-IUL e investigador no Centro de Estudos Internacionais do Iscte. Realiza, de há longa data, trabalho de campo no Minho e na Galiza, com foco em nacionalismos e regionalismos, história da etnografia portuguesa e políticas da cultura e do património. Entre as suas publicações, destacam-se os livros A Moda do Minho: Um ensaio antropológico (2004), Dois Lados de um Rio: Nacionalismo e etnografia na Galiza e em Portugal (2006, trad. esp. 2007, trad. ing. 2013), Uma Imagem da Nação: Traje à Vianesa (em coautoria com Benjamim Pereira e João Alpuim Botelho, 2009), e Outros Celtas: Celtismo, modernidade e música global em Espanha e Portugal (coorganizado com Salwa El-Shawan Castelo-Branco e Susana Moreno-Fernández, 2023), bem como o dossiê temático «Enredos ibéricos: comidas, ritos, políticas de património» (coorganizado com Jorge Freitas Branco, Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 2018).
João Vasconcelos é investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Na década de 1990, realizou trabalho de campo no Alto Minho, sobretudo na Serra de Arga, em torno do catolicismo local, peregrinações e romarias, folclorização e patrimonialização da cultura. Desde 2000, vem desenvolvendo investigação histórica e etnográfica em Cabo Verde, sobre religião, práticas e discursos identitários e, mais recentemente, sobre migrações laborais. Das suas publicações sobre o Alto Minho, salientam-se o texto do catálogo O Tempo da Festa (1997), o vol. 2 do livro Romarias: Um Inventário dos Santuários de Portugal (1998), os artigos «Tempos remotos: a presença do passado na objectificação da cultura local» (Etnográfica, 1997), «Estéticas e políticas do folclore» (Análise Social, 2001), «Custom and costume at a late 1950s Marian shrine in Northwest Portugal» (Etnográfica, 2005), e o capítulo «O povo enquanto libido no folclorismo poético de Pedro Homem de Melo (1904-1984)» (em Vozes do Povo: A folclorização em Portugal, 2003).
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